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Por quê o Brasil consome tão pouco vinho? – Por Rodrigo Duarte

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Postado em 26/10/2020

Eu, como Sommelier e produtor de vinho, mas acima de tudo um apaixonado por essa bebida maravilhosa, que venho de uma família de vitivinicultores, sempre sou questionado onde o Brasil está posicionado no mercado mundial dos vinhos, tanto em produção quanto em consumo, e essa resposta nos leva a olharmos um pouco para trás, em nossa história. Em países como Chile, Argentina e Uruguai por exemplo, a cultura do consumo do vinho é muito comum no meio familiar. Nesses países as pessoas são criadas tendo um contato com o vinho muito diferente, onde os mais velhos já oferecem vinho para os mais novos misturados com água com gás. Lá, o vinho é consumido como quase um alimento, fazendo parte da maioria das refeições. Muito diferente do que acontece no Brasil onde não temos a tradição de consumir a bebida de baco com tanta frequência. Mas nem sempre foi assim. Em tempos de colonização estima-se que consumíamos vinho iguais aos portugueses, até porque eles consideravam a bebida como artigo de primeira necessidade e tanto o vinho como as vinhas estavam entre os produtos mais trazidos de Portugal. As primeiras vinhas foram plantadas na região da cidade de São Paulo e o vinho produzido a partir delas era distribuído e comercializado até a Bahia. Vale lembrar que naquela época o vinho era destinado apenas ao homem branco, tornando-o um produto sofisticado e elitizado, o que reflete até hoje culturalmente.

Mas a pergunta é: Porque o brasileiro consome tão pouco vinho? O Brasil tem, em sua grandeza continental, um clima predominantemente tropical, o que nos faz viver num país naturalmente quente na média. Grande parte dos brasileiros ainda associa o vinho ao inverno, ao clima mais frio ou a alguns eventos, o que é um equívoco. Hoje temos diferentes vinhos para cada situação e para cada ocasião. Um exemplo disso são as incríveis harmonizações que podemos fazer com eles. Nada melhor do que um bom vinho tinto encorpado, com taninos presentes numa noite de frio acompanhando um bom churrasco, ou quem sabe um delicioso e delicado vinho rosé acompanhando um sushi a beira de uma piscina numa tarde de verão, ou ainda quem sabe um espumante mais adocicado acompanhando uma torta de frutas amarelas, transformando a acidez das frutas, a delicadeza e a untuosidade do espumante numa festa de sabores e equilíbrio no seu paladar.

Mas apesar de toda essa versatilidade dessa incrível bebida, a maioria dos brasileiros ainda não descobriu seu verdadeiro potencial.

Por outro lado, existe uma fatia da população brasileira que é apaixonada por vinho e consome muito essa bebida. Há, inclusive, entre os apreciadores de vinho, um nicho de pessoas que defendem de forma exaustiva o consumo de vinhos brasileiros, porém os altos preços devidos aos impostos e a falta de incentivo por parte do governo não encorajam o consumo.

No Brasil nós consumimos cerca de 1,7 Litros/ano per capita de vinho (IBGE,2019) e apenas 0,6 L/ano per capita são de vinhos finos (oriundos de uvas Vitis Viníferas). Só para fazermos uma comparação, Portugal, que é o maior consumidor de vinho do mundo, consome 62,1 L/ano per capita (OIV – Organização Internacional da Vinha e Vinho).

E a produção de vinhos no Brasil caminha lado a lado com o consumo. Hoje, apenas 50% das uvas processadas são destinadas para vinhos e entre elas apenas 10% são da espécie Vitis Viníferas, ou seja, destinadas à fabricação de vinhos finos. Os outros 50% são destinados à sucos de uva e demais (Ibravin,2019)

Hoje temos excelentes vinhos sendo produzidos em todo o país, um exemplo disso é o desenvolvimento da técnica da dupla poda da videira ou colheita de inverno que está sendo aplicada no estado de São Paulo e sul de Minas Gerais dando um resultado extremamente positivo. Nela, a videira é podada duas vezes ao ano e seu ciclo natural é invertido, tendo sua produção efetiva no período do inverno onde a amplitude térmica é alta e pluviosidade é baixa. O que tem resultado em vinhos finos de excelente qualidade.

Talvez não tenhamos começado da melhor maneira na nossa relação com essa bebida tão espetacular e apaixonante, mas atualmente, vejo uma mudança no perfil de consumidores e de consumo dela aqui no Brasil. Vejo um grande esforço dos produtores de todo o país para mostrar o valor e a qualidade do nosso produto. O investimento em tecnologia da vitivinicultura brasileira é muito grande, não é por coincidência que nos últimos anos temos ganhado prêmios e mais prêmios a níveis internacionais com os nossos vinhos, fazendo com que os outros países olhem para o Brasil como um grande parceiro e um grande mercado em potencial.

Minha grande esperança é que os brasileiros consigam desfrutar da alegria e do prazer que essa apaixonante bebida pode nos proporcionar, consumindo cada vez mais vinhos brasileiros e valorizando todo o trabalho e amor que, nós produtores, colocamos dentro de cada garrafa.

 

Autor:

Rodrigo Duarte

– Gerente de Produção da Vinícola Castanho (Jundiaí-SP)

– Sommelier Profissional

– Engenheiro de Alimentos (em formação)

 

 


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6 Comentários

  1. Parabéns!!! Informações históricas e técnicas que realmente convidam a pensar mais sobre o consumo da bebida no Brasil. Um bom vinho (e os nacionais têm me impressionado muito bem!) é um elemento que transforma qualquer encontro num momento de celebração!

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