Por que ser só Sustentável já não basta mais? – Por Ana Garbin e Michele Lima
Publicado em: 18/11/2021
Crise climática, desmatamentos, perda da biodiversidade, insegurança alimentar, dentre tantos outros temas estão não só recheando os noticiários como também impactando a forma como vivemos.
Basta pensar na qualidade do ar que respiramos, no trânsito diário que enfrentamos, na crise hídrica que frequentemente vivemos e na qualidade do que estamos comendo, se é que estamos comendo (você sabia que quase 1 milhão de nós passa fome?)
Somente esses fatores já seriam suficientes para dizer que mudar a forma como estamos vivendo é uma questão de sobrevivência.
E não se trata apenas da sobrevivência da espécie humana. Empresas que não estão se preocupando com questões sociais e ambientais já estão sentindo na pele, ou melhor, no bolso a perda de clientes e até de talentos para negócios que no mínimo estão falando no assunto.
Investidores também já se deram conta que negócios preocupados com o trio “Environmental + Social + Governance” são mais resilientes e estão saindo na frente. É o tal ESG que você também já deve estar vendo por aí.
Pois bem. A sustentabilidade está na boca do povo e do mundo “business”.
Estamos começando a entender que esse problema é de todos nós. É de cada cidadão, de cada empresa, de cada governo.
Estamos repensando nossas escolhas e literalmente chacoalhando o mercado.
Mas escolher não tem sido tarefa fácil.
Muitas ações são realmente genuínas e de fato estão impactando a vida das pessoas e do planeta.
Mas, também tem muita “ação” ou até mesmo “Falação” que está sendo “pintada de verde”. Tem até um termo para essa “Falsa sustentabilidade”: Greenwashing, você conhece?
É de certa forma compreensível que tanto as empresas quanto os consumidores estejam confusos na hora de identificar critérios de sustentabilidade, afinal, é uma virada de chave recente incluir aspectos sociais, ambientais e até de governança nas ações.
Estamos há anos operando em uma economia extrativista, que alcançou significativos progressos econômicos e tecnológicos, porém tem deixado um rastro de degradação.
Levanta a mão quem aqui saiu da graduação com essa visão da cadeia de alimentos:
É o que chamamos hoje de economia linear que apesar de ainda ser o “modus operandi”, está totalmente defasada por:
– alimentar um desperdício estrutural
– colocar negócios em situação de vulnerabilidade em termos de preço e suprimentos e
– degradar recursos naturais
Todo esse despertar para a realidade preocupante que vivemos está impulsionando o surgimento de novas economias, focadas em REGENERAR, afinal, SUSTENTAR o cenário que estamos vivendo hoje seria uma loucura, concorda?
A Economia Circular é uma delas e parte do princípio que:
– Lixo é um erro de design
Basta olharmos para aterros, lixões, mares, rios, ruas, para constatar a má gestão dos resíduos que, apesar de parecer ser responsabilidade apenas do poder público, é também, principalmente, de quem criou esse resíduo lá atrás. De quem desenhou esse produto ou serviço sem pensar para onde ele vai.
O conceito “Descartar” é delegar a responsabilidade e desperdiçar recursos.
Você deve estar pensando: E a reciclagem?
Reciclar ajuda, mas definitivamente não soluciona o problema na causa raiz
As altíssimas taxas de materiais que poderiam mas não são reciclados não nos deixam mentir.
Reciclar deveria estar no fim da lista, depois de pensar em compartilhar, prolongar vida útil, reutilizar, reformar, pra só depois reciclar.
Além do mais, o processo de reciclagem demanda consumo de mais recursos e para que um produto seja reciclado, ele precisa ter sido desenhado para tal. Os materiais que o compõem precisam ser bem escolhidos e uma cadeia de logística reversa precisa estar contemplada no projeto.
Uma economia que pensa circular mantém materiais, produtos e seus componentes o máximo possível no sistema usufruindo do seu melhor desempenho, utilidade e valor a fim de otimizar todos os recursos envolvidos na sua produção.
Não existe descartar ou jogar fora. Seu “fim” se dá de onde começou. É o conceito do berço ao berço (Cradle to Cradle) e não do berço ao túmulo (como estamos fazendo ultimamente)
E como uma imagem fala mais que mil palavras, olha só esse diagrama que ilustra um Sistema Econômico Circular
Muito mais complexo do que “simplesmente” extrair e descartar, concorda?
– Pensar de forma sistêmica, reconhecer o papel e a importância de cada parte do sistema, e fortalecer essa interconexão é fundamental para o sucesso de qualquer economia, e por isso é premissa na circular. Afinal, cooperação, trabalho em equipe e soma de saberes podem levar qualquer projeto muito mais longe.
– Diversidade é preservada e valorizada dentro de um pensamento circular. Cada canto do mundo possui sua peculiaridade, seu bioma, sua cultura e sua biodiversidade. Cada pessoa tem seus talentos únicos. Excluir potenciais pela obsessiva padronização também é um desperdício.
– Fontes de energia renováveis são aspectos chaves para o fortalecimento da economia. Temos ainda um longo caminho mas quanto já evoluímos nesse sentido! Energia solar, energia eólica estão cada vez ganhando mais espaço e notoriedade. A crise hídrica que estamos assistindo e sentindo nesse momento que o diga.
– Os preços refletem o custo real do produto ou serviço na economia que é circular e inclui os impactos gerados no sistema. Sabe aquele ditado que o típico barato às vezes sai caro? Alguém paga pelo “desconto” alcançado naquele produto ou serviço que economizou na responsabilidade social e ambiental para conseguir o desejado custo baixo e competitividade. Tem uma pista de quem?
Em uma mentalidade circular, questionamos de onde e como vêm nossos recursos e nos responsabilizamos com o “fim” da vida daquilo que criamos.
Precisamos mudar essa forma de produção e consumo pautados na obsolescência acelerada e no desperdício e desvincular o crescimento econômico da degradação, afinal “Desenvolvimento sustentável é aquele que busca atender as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades”- Nosso futuro comum (Relatório Brundtland) 1987.
Está pipocando de ações por aí mostrando que é possível utilizar de todo potencial do sistema, independente do setor, para a restauração dos ecossistemas.
E o sistema alimentar tem pleno e altíssimo potencial para ser protagonista nessa transição para uma nova economia.
E você?
Está preparado para essa transição?
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Ana Garbin
Mãe do Théo, engenheira de alimentos apaixonada pelo universo da comida, agricultura, educação e comportamento.
Fez parte da gestão da qualidade em uma indústria de ingredientes, coordenando soluções para reclamações de clientes, Boas Práticas de Fabricação e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle. Nessa mesma indústria foi vendedora técnica B2B. Administrou um varejo de alimentos da família e esse contato direto com o consumidor acabou se tornando sua grande paixão.
Hoje, através da Alimenteia, promove diálogos que repensam a forma como os alimentos são produzidos e consumidos e seus impactos na saúde das pessoas e do planeta com o objetivo de impulsionar a transição para uma economia regenerativa e um desenvolvimento realmente sustentável
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Michele Lima
Engenheira de alimentos e mestranda na área de embalagens biodegradáveis (Unicamp). Possui 10 anos de experiência na indústria de alimentos, onde liderou projetos de desenvolvimento de produtos em diversos mercados. Inquieta com os impactos ambientais gerados com o modelo de produção e consumo atuais, se especializou em temas como sustentabilidade, economia circular, reaproveitamento de resíduos e produção de biogás. Em 2020, Co-Fundou a Alimenteia, projeto cujo objetivo é impulsionar um sistema alimentar mais regenerativo e saudável para as pessoas e para o planeta.
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