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Nova Rotulagem Nutricional e Suas Mudanças – Por Amanda Mattos Dias Martins e Flavia Damasceno Mira Leis

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 Atualizado 01/04/2021

As primeiras legislações relativas à Rotulagem Nutricional no Brasil, foram publicadas na década de 90, em caráter voluntário para a maioria dos alimentos e bebidas embalados, exceto para alimentos com alegações nutricionais.

Contudo, evidências científicas relacionando as mudanças nos padrões de alimentação, juntamente com o aumento do sobre-peso, obesidade e doenças crônicas não transmissíveis da população em nível mundial, foram marcantes para fomentar a adoção de medidas públicas, no intuito de reverter tal cenário. Assim, a declaração da rotulagem nutricional passa a ser vista como uma estratégia importante de promoção da alimentação saudável, tornando-se obrigatória em todos os alimentos e bebidas embalados na ausência do consumidor.

Isto se deu por meio da publicação da resolução de diretoria colegiada RDC nº 94 de 2000, com o intuito de informar aos consumidores as propriedades nutricionais dos alimentos e permitir escolhas mais saudáveis e conscientes. Após 1 ano de sua publicação, algumas mudanças foram realizadas, como a publicação da RDC nº 39/01, que estabelecia os valores de referência para porções de alimentos e bebidas embalados, e publicação da RDC nº 40/2001 que revogou a RDC nº 94 de 2000. Entretanto, a fim de compatibilizar a legislação nacional com as do Mercosul (Resoluções GMC nº 44/03 e 46/03), essas resoluções foram revogadas, em 2003, através da publicação das resoluções RDC nº 359/2003 e da RDC nº 360/2003, ainda vigentes.

Infelizmente, apesar das atualizações regulatórias, a presença da rotulagem nutricional obrigatória nos alimentos não atingiu os objetivos esperados, uma vez que as prevalências de sobrepeso e obesidade, continuaram aumentando. Além disso, os consumidores apresentam grande dificuldade de interpretar e assimilar as informações contidas nos rótulos, fato constatado pela própria agência reguladora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.  Talvez, este seja o principal motivo do insucesso e tenha impulsionado o processo de mudança da rotulagem. Assim, em 2014, a agência criou um Grupo de Trabalho (GT), com o intuito de elencar os principais problemas envolvidos e auxiliar na elaboração de novas propostas regulatórias.

 

A criação da Nova Rotulagem e seus objetivos

Em 2017, após 2 anos de discussões no GT, a Rotulagem Nutricional entrou na agenda regulatória (AR) da ANVISA, ganhando, portanto, prioridade. Foram longos períodos de debates envolvendo diversos setores da sociedade. Dentre as fragilidades levantadas estão: dificuldade de identificação do valor nutricional do alimento, problemas na legibilidade, dificuldade de visualização e leitura, falta de padronização de informação e de conhecimento do consumidor sobre questões nutricionais.

Em 2019, como parte do processo regulatório para revisão da rotulagem nutricional, a Anvisa realizou as Consultas Públicas (CP) nº 707 e 708, a fim de obter comentários da sociedade sobre as propostas da nova resolução e instrução normativa. Um total de 23.435 indivíduos ou instituições, fizeram suas contribuições, o que marcou positivamente e, historicamente, o processo regulatório.

Deste modo, em 2020, 17 anos após a da publicação das RDC’s 359 e 360, foram aprovadas e publicadas as novas legislações sobre Rotulagem Nutricional como a Resolução RDC nº 429, que dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados e a Instrução Normativa IN nº 75, que estabelece os requisitos técnicos para declaração da rotulagem nutricional nos alimentos embalados.

Com a entrada em vigor dessas legislações, espera-se atingir objetivos como: permitir a comparação nutricional entre os alimentos; garantir informações padronizadas claras e precisas; garantir a informação ao consumidor sobre os riscos nutricionais dos alimentos e, incentivar a reformulação nutricional de alimentos com teores elevados de nutrientes, que aumentam risco do aparecimento de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).

 

Quais serão as principais mudanças

A rotulagem nutricional terá um novo conceito que abrangerá, toda declaração destinada a informar ao consumidor as propriedades nutricionais do alimento, compreendendo a tabela de informação nutricional, a rotulagem nutricional frontal e as alegações nutricionais. Ela será responsável por fornecer informações que tem o propósito de auxiliar os consumidores na comparação e seleção de alimentos mais apropriados para uma alimentação adequada e saudável.

A rotulagem nutricional deverá ser obrigatória em todos os alimentos embalados na ausência dos consumidores, incluindo as bebidas, os ingredientes, os aditivos alimentares e os coadjuvantes de tecnologia, inclusive aqueles destinados exclusivamente ao processamento industrial ou aos serviços de alimentação.

Abaixo, estão destacadas as principais mudanças apresentadas pela Resolução RDC nº429/20 e Instrução Normativa IN nº75/20.

 

Principais mudanças na Tabela Nutricional:

A tabela de informação nutricional foi alvo de importantes mudanças, começando com os critérios de legibilidade. Foi mudado o layout, o tamanho das letras, formato, declaração de nutrientes, porção de declaração entre outras. Na figura 1, estão apresentados o modelo atual e o modelo proposto pelas novas legislações.

A) Modelo Vertical A                                                        B) Modelo Vertical B

                  

Figura 1: Comparação entre modelos usados na Rotulagem Nutricional: 1 – Modelo Vertical A, apresentado pela Resolução RDC 360 de 2003, atualmente vigente; 2 – Modelo Vertical apresentado na Instrução Normativa 75 de 2020. Fonte: Modelo 1 – Resolução RDC 360 de 23/12/2003. Modelo 2: Instrução Normativa IN 75 de 08/10/2020.

 

Dentre as principais mudanças, se destacam a padronização da cor preta e o fundo branco da tabela.  , conforme pode-se observar na figura 1. O tamanho das letras deverá ser de, no mínimo 2,8 mm, exceto se a tabela não se ajustar em uma única superfície contínua da embalagem, podendo a fonte, ser reduzida para 2,2mm. A tabela nutricional deve estar no mesmo painel da lista de ingredientes para facilitar a associação entre as informações, permitido uma compreensão melhor das características nutricionais do produto. Nenhuma informação presente na tabela poderá estar ofuscada por contrastes e brilhos da embalagem. Além disso, a tabela deverá estar localizada em áreas de fácil acesso, sem deformações ou encoberta por dobras de selagem das embalagens.

Em relação a declaração de nutrientes e porções, algumas modificações também foram estabelecidas, como:  a obrigatoriedade da declaração da quantidade de açúcares totais e açúcares adicionados presentes no produto, declaração da porção por 100 g ou 100 ml do produto e a exclusão da declaração em quilojoules (kJ) do valor energético. Além dessas mudanças, a frase “*%VD com base em uma dieta de 2000 kcal ou 8400 kJ, podendo apresentar valores maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas” deverá ser substituída pela “%VD conforme a porção”.

O número de porções por embalagem também passará a ser declarado. Para muitos produtos, o consumo da totalidade do conteúdo da embalagem é bastante comum. Com esta informação, haverá uma noção maior da real quantidade de nutrientes ingeridos, particularmente importante, quando o produto tem alto teor de nutrientes críticos.

E, finalmente, a principal novidade: a Rotulagem Nutricional Frontal. A adoção de um símbolo, no painel principal, chamando a atenção para a presença de nutrientes críticos – açúcar adicionado, gordura saturada e sódio – terá como objetivo de facilitar melhor a compreensão nutricional do produto pelo consumidor.

Na figura 2 estão apresentados os modelos de rotulagem frontal propostos pelas novas legislações. Existem outros selos para quando da presença de dois ou apenas um nutriente crítico.

 

 Figura 2: Modelos de Rotulagem Frontal que devem ser usados em alimentos cujas quantidades de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio sejam iguais ou superiores aos limites definidos no Anexo XV da IN nº75/20 e forem atendidos simultaneamente. Fonte: Instrução Normativa IN 75 de 08/10/2020

A aplicação da rotulagem frontal nos alimentos, será obrigatória nos alimentos que contiverem teor de nutrientes críticos superior ao estabelecido no Anexo XV da Instrução Normativa IN nº 75/2020, conforme figura 3.

Figura 3: Limites de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio para fins de declaração da rotulagem nutricional frontal. Fonte: Instrução Normativa IN nº 75 de 08/10/2020

Contudo, no anexo XVI da mesma IN, é definida uma lista de alimentos nos quais a declaração da rotulagem frontal é proibida. Alguns alimentos, a exemplo do queijo (alto teor de gordura saturada), ficaram isentos da rotulagem frontal, pois segundo a ANVISA, fazem parte da alimentação saudável, já que fornecem diversos outros nutrientes necessários.

 

Quando será a implementação?

Embora já publicadas, essas regras ainda não estão valendo. Sua implementação se dará a partir de outubro de 2020, seguindo o seguinte cronograma: os produtos que se encontrarem no mercado na data de entrada em vigor (09/10/2022) terão, ainda, um prazo de adequação de 12 meses. Alimentos fabricados por empresas de pequeno porte, como agricultores familiares e microempreendedores, terão um prazo de adequação maior, equivalente a 24 meses após a entrada das normas em vigor (09/10/2024), ou seja, um total de 48 meses. As bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, até 36 meses (09/10/2023) após a entrada em vigor das normas.

Segundo a ANVISA, é necessário este extenso prazo para implementação da norma pois é preciso treinar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), elaborar documentos orientativos e permitir que as empresas possam reformular seus produtos. Esta última ação é incentivada como estratégia importante para implementação desta política pública, visando oferecer à população mais opções de alimentos com melhor composição  . Também leva em conta a da necessidade de harmonização com o Mercosul, escoamento de embalagens e dificuldades técnicas de pequenos produtores.

 

Conclusão

Melhorias significativas foram feitas para que a Rotulagem Nutricional se configure em uma importante estratégia de promoção da alimentação saudável e exerça, de fato, este papel. Contudo, nem todos os anseios dos diferentes interessados foram atendidos, tendo ainda muitos assuntos conflituosos a serem tratados neste período até a implementação. É importante lembrar que alterações ainda podem ser feitas antes da entrada das normas em vigor. Todavia, devemos considerar e valorizar o processo de construção desta ferramenta, os debates realizados e, principalmente, a participação da população.

Considerando-se que a alimentação é o principal fator de risco modificável dentre aqueles que contribuem para o aumento da obesidade, a nova Rotulagem Nutricional é uma das importantes estratégias, não tendo “condição” nem “pretensão” de, isoladamente, minimizar ou resolver o grave problema de saúde pública que estamos enfrentando.  É necessário garantir, consequentemente, além da sua correta implementação pelos fabricantes  ofertados, a educação nutricional do consumidor.

 

Referências  :

 

Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br

 

Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 359, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico de porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br

 

Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 429, de 8 de outubro de 2020. Dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br

 

Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa IN nº 75, de 8 de outubro de 2020. Estabelece os requisitos técnicos para declaração da rotulagem nutricional nos alimentos embalados. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br

 

GBD 2015 OBESITY COLLABORATORS. Health effects of overweight and obesity in 195 countries over 25 years. New England Journal of Medicine, v. 377, n. 1, p. 13-27, 2017.

 

IDEC. O rótulo pode ser melhor. 2016. Disponível em: https://idec.org.br/em-acao/revista/rotulo-mais-facil/materia/o-rotulo-pode-ser-melhor

 

Ministério da Saúde. Metade dos brasileiros está acima do peso e 20% dos adultos estão obesos. 2020. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46485-mais-da-metade-dos-brasileiros-esta-acima-do-peso

 

OPAS BRASIL. Rótulos de alimentos no Brasil devem ser mais claros, defende OPAS. 2017. Disponível em:  https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5541:rotulos-de-alimentos-no-brasil-devem-ser-mais-claros-defende-opas&Itemid=839

 

World Health Organization. Brazil First Country to Make Specific Commitments in UN Decade of Action on Nutrition;World Health Organization: Geneva, Switzerland, 2017. Disponível em: https://www.who.int/nutrition/decade-of-action/brazil-commitment-22may2017/en/

 

World Health Organization (2013). Global action plan for the prevention and control of noncommunicable diseases 2013–2020. Geneva: World Health Organization.

 

ZARKIN, Gary A. et al. Potential health benefits of nutrition label changes. American Journal of Public Health, v. 83, n. 5, p. 717-724, 1993.

Amanda Mattos Dias Martins

Engenheira de Alimentos formada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ

Mestre e Doutora em Ciências e Tecnologia pela Universidade Estadual Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ

Pesquisadora e Colaboradora do grupo de pesquisa GPan Tec da UFSJ

Professora e Consultora na área de assuntos regulatórios

Fundadora da empresa Learning Foods Treinamentos e Consultoria

 

Flávia Damasceno Mira Leis

Nutricionista formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Pós Graduada em Nutrição Materno Infantil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde pela Universidade Federal da Bahia – UFBA

Consultora Food Qualy – Soluções em Negócios de Alimentação

Professora EGN – Escola de Gastronomia e Nutrição

Professora da Pós Graduação em Vigilância Sanitária e Qualidade de Alimentos da Estácio, USCS e São Camilo


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